Eunice Maia X Companhia: Em boa Companhia, Maria e Rui

A utopia tem um rosto. O da Maria e o do Rui, fundadores do restaurante Kitchen Dates, o primeiro restaurante sem caixote do lixo em Portugal e um dos primeiros no mundo (não conheço, aliás, nenhum que reúna todos estes princípios éticos de forma tão rigorosa e completa). O seu trabalho inexcedível mostra-nos como é possível colocar cima da mesa comida deliciosa e verdadeiramente sustentável: alimentos que respeitam o tempo da natureza e as suas estações, produzidos em modo biológico em Portugal, vindos diretamente dos produtores, cujas terras fazem questão de conhecer, em recipientes reutilizáveis – caixas, sacas, latas, frascos, boiões. Ingredientes vindos de perto, muito perto. A esmagadora maioria dos vegetais e da fruta é produzida a menos de 50 km da sua cozinha, em Telheiras. Para outros ingredientes, como cereais, leguminosas ou frutos secos, alargaram o raio, mantendo sempre esta consciência de proximidade. De fora ficam ingredientes que forçosamente viajariam muito, como café, cacau, especiarias ou caju, cuja pegada de carbono é, por isso, forçosamente mais elevada.

 

O que mais me impressiona e inspira no trabalho da Maria e do Rui é o rigor, o tempo, o amor e a dedicação que colocam na causa que abraçaram: moem os próprios cereais, preparam os próprios adoçantes; fermentam vegetais e fruta para alcançar sabores mais complexos. Recuperaram variedades tradicionais do passado, entretanto esquecidas, em detrimento de novas variedades – mais produtivas, mais previsíveis, mas também menos adaptadas ao nosso clima e aos nossos solos. É o caso, por exemplo, do trigo barbela com que fazem o pão de fermentação natural. Pensam as ementas com o que está disponível no momento, em sintonia com o que a terra lhes  dá e com a confiança de que, semana após semana, os produtores lhes trarão o melhor dos seus terrenos. Em troca, entregam-lhes o seu composto, gerado ali mesmo, ao lado da cozinha, pela Eva, uma composteira elétrica que fazem questão de apresentar a todos os que os visitam.

 

Sem dúvida, um exemplo brilhante de economia circular, mas muito mais do que isso: um sonho produzido em e para a comunidade, uma mesa de esperança e de respeito pelo planeta. A prova de que o zero está mais perto quando nos pomos a caminho, juntos.